No País dos Arquitectos é um podcast criado por Sara Nunes, responsável também pela produtora de filmes de arquitetura Building Pictures, que tem como objetivo conhecer os profissionais, os projetos e as histórias por trás da arquitetura portuguesa contemporânea de referência. Com pouco mais de 10 milhões de habitantes, Portugal é um país muito instigante em relação a este campo profissional, e sua produção arquitetônica não faz jus à escala populacional ou territorial.
Neste episódio Sara conversa com o arquiteto Adalberto Dias sobre o projeto do Funicular dos Guindais no Porto. Ouça a entrevista completa e leia parte da transcrição da conversa, a seguir:
Sara Nunes - Quando estava a preparar esta entrevista descobri que no lugar do Funicular dos Guindais houve no século XIX outro funicular a funcionar, que ficou desactivado por causa de um acidente grave, por isso antes de falarmos sobre o seu projecto ia desafiá-lo a falar sobre a história deste antigo funicular.
Adalberto Dias - Eu não sou especialista de funiculares, se bem que tenha feito e projectado o Funicular dos Guindais. O que consegui também entender e investigar, quando este projecto acabou por me chegar às mãos, em circunstâncias muito específicas, é que, naquele sítio, tinha existido um funicular, que era o primeiro de uma série de funiculares ou sistemas idênticos para facilitar o... vamos-lhe chamar o funicular, que iriam ser construídos no Porto, unindo as cotas altas e as cotas baixas. Digo cotas baixas, mas não é como a Baixa de Lisboa ou como a Baixa do Porto. Falo das cotas ribeirinhas, em resultado do desenvolvimento do Porto, que nasceu junto ao rio Douro porque todas as trocas comerciais e de transportes aí se localizavam nos diferentes portos.
SN - Tinha este objectivo comercial a instalação destes funiculares?
AD - Não era um objectivo comercial. Era mais um objectivo urbano e de desenvolvimento da cidade, de forma a introduzir alguma comodidade, eficácia e rapidez no acesso às cotas altas. Além disso, é interessante verificar que a ponte D. Luís I do Porto, um dos ex-libris da cidade, é uma ponte de dois tabuleiros unindo as duas cotas, a cota ribeirinha e a cota alta, o que pressupõe que já, nesse tempo, a cidade desenvolvia-se a duas cotas completamente diferentes. Mas voltando ao funicular. Esse funicular, que seria o primeiro – entre três ou quatro, em situações idênticas sob o ponto de vista da orografia da cidade – foi construído no final do século XIX. Funcionou três ou quatro anos, depois houve um acidente que, felizmente, não teve feridos nem mortos. Mas o que aconteceu é que nunca mais foi reposto... pese embora ter sido pensada a sua reposição, nunca mais foi reposto, nem os outros todos que estavam programados foram construídos. Entretanto, também a própria cidade, que se desenvolvia na encosta, vai conquistando espaço e o próprio canal do metropolitano, algo que, provavelmente, durante todo o século XX, desaconselhou completamente a reposição.
SN - O que leva a ter-se vontade de construir este projecto na cidade do Porto. Pergunto-lhe, já agora, se este projecto incluiu algum aspecto do projecto anterior?
AD - No final dos anos 90 do século passado, a Câmara do Porto, abre um concurso. Naquele tempo, penso que não eram obrigatórios os concursos internacionais para a reabilitação de toda a encosta das Fontainhas e dos Guindais. A encosta das Fontainhas e dos Guindais é toda a encosta que se desenvolve para nascente da ponte D. Luís I e da muralha Fernandina. Nesse projecto que tinha uma perspectiva mais urbana de definir determinadas estratégias de recuperação dado que toda essa encosta se encontrava muito degradada... e aproveitando também o cenário da construção de uma nova ponte, que iria ser localizada e construída nessa área... o concurso tinha como objectivo não só o desenho da nova ponte e a recuperação daquela encosta, mas também o desenho de uma nova fachada da própria cidade com o alçado sul da cidade, dado que o trânsito da ponte iria ser desafectado para a passagem do metro e, nesse sentido, era necessário construir uma nova ponte para o tráfego rodoviário. Nós ganhámos este concurso. Esse concurso, tinha algumas acções importantes como a reposição da relação perdida da cidade do Porto com o próprio rio.
Naturalmente, quando a cidade do Porto começou a conquistar as cotas altas e os serviços a desenvolverem-se nas plataformas altas com a criação de equipamentos, bancos, serviços, comércio, etc... toda a zona ribeirinha e todas essas encostas entraram num processo de degradação e foi-se perdendo a relação histórica da cidade com o próprio rio, portanto o que nós entendemos e propusemos foram acções para ligar a cidade ao próprio rio, através da transformação da própria encosta, recuperando o edificado e repondo alguma actividade urbana possível na própria encosta, o que significava que era necessário criar algumas acessibilidades e, nesse sentido, surgiu com alguma naturalidade também a reposição do antigo funicular porque nos parecia o elemento mais rápido, eficaz e cómodo de promover essas duas relações: a relação do rio e a relação da cota alta.
Ouça a entrevista completa aqui. Reveja, também, as entrevistas já publicadas do podcast No País dos Arquitectos:
- Carrilho da Graça
- João Mendes Ribeiro
- Inês Lobo
- Carlos Castanheira
- Tiago Saraiva
- Nuno Valentim
- Nuno Brandão Costa
- Cristina Veríssimo e Diogo Burnay
- Ricardo Bak Gordon
- Paula Santos
- Carvalho Araújo
- Guilherme Machado Vaz
- Menos é Mais Arquitectos
- depA architects
- ARX Portugal
- Frederico Valsassina
- PROMONTORIO
- Camilo Rebelo
- Pedro Domingos e Pedro Matos Gameiro
- Luís Rebelo de Andrade
- Susana Rosmaninho e Pedro Azevedo
- João Pedro Serôdio
- João Carlos Santos
- Manuel Aires Mateus
- Carlos Antunes e Désirée Pedro
Nota do editor: A transcrição da entrevista foi disponibilizada por Sara Nunes e segue o antigo acordo ortográfico de Portugal.